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17/08/2021
Pesquisa realizada em parceria entre a Universidade Federal de Alfenas (MG) e a Embrapa Milho e Sorgo (MG) testou o potencial de dois novos grupos químicos do açúcar natural trealose - tosila e azido - (veja mais explicações no quadro abaixo) para mitigar os efeitos da seca no milho. Experimentos com uma variedade híbrida sensível à seca em casa de vegetação mostraram maior crescimento das plantas tratadas com esses derivados. Isso comprova o efeito bioestimulante da substância e abre caminho para novos estudos em prol da redução do estresse hídrico no cultivo desse cereal no Brasil. Por ser natural, o açúcar trealose vem sendo apontado como alternativa para diabéticos e em dietas alimentares com redução de glicose.
Os resultados da pesquisa foram publicados no artigo “A mixture of trehalose derivatives mitigates the adverse effects of water deficits in maize: an analysis of photosynthetic efficiency” (Uma mistura de derivados de trealose mitiga os efeitos adversos do déficit hídrico no milho: uma análise da eficiência fotossintética) e no Periódico Photosynthetica - Jornal Internacional de Pesquisa em Fotossíntese.
Segundo os pesquisadores Paulo César Magalhães, da Embrapa Milho e Sorgo, e Thiago Corrêa de Souza, da Universidade Federal de Alfenas, o híbrido de milho com sensibilidade à seca foi utilizado para avaliar melhor o efeito do tratamento com a mistura dos derivados de trealose. “O principal resultado foi o aumento da taxa fotossintética (intensidade de fotossíntese) em plantas submetidas às substâncias. Esse incremento se deu pela maior densidade de estômatos (estruturas microscópicas que se encontram na epiderme das folhas), que são estruturas responsáveis pela realização de trocas gasosas foliares”, explicam os estudiosos.
Magalhães destaca que, apesar de ter sido um estudo básico, abre perspectivas para que novos bioestimulantes possam ser usados no futuro, na mitigação do estresse hídrico em plantas de milho.
A Embrapa tem um histórico grande e muito produtivo de pesquisas realizadas em conjunto com o professor Thiago Souza, da Universidade Federal de Alfenas. “O Instituto de Química (IQ), representado pela professora Danielle F. Dias, e o Instituto de Ciências da Natureza (ICN) da Universidade têm uma infraestrutura muito boa, com colegas treinados e com ótima expertise no assunto abordado”, acrescentou o pesquisador da Embrapa. O artigo publicado no Photosynthetica foi gerado a partir da dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais (PPGCA-UNIFAL) da aluna Alexandra dos Santos Ambrósio, intitulada “Aplicação de derivados de trealose em folhas de milho sob déficit hídrico: avaliação anatômica e fotossintética”.
O uso de tecnologia garante a posição do Brasil no mercado internacional
O professor da Universidade Federal de Alfenas ressalta que o Brasil é um dos grandes produtores globais de milho. De acordo com o estudo da Embrapa O agro no Brasil e no Mundo: uma síntese do período de 2000 a 2020, o País ocupa a terceira posição na produção de milho, com 100 milhões de toneladas (8,2% do total), superado apenas pelos Estados Unidos e pela China. Nas últimas décadas, a posição relativa do Brasil não se alterou quando se considera a produção do grão, mas cresceu em termos de exportações.
Em 2020, os produtores brasileiros de milho exportaram 38 milhões de toneladas, ou seja, 19,8% das exportações totais do produto, sendo o segundo maior exportador do grão, atrás apenas dos Estados Unidos. Apenas no ano passado, as exportações nacionais de milho somaram US$ 6 bilhões.
“É necessário que haja a busca por novas tecnologias para lidar com os diferentes estresses que possam prejudicar a produção agrícola e, assim, não comprometer a economia brasileira. O açúcar trealose tem sido utilizado na indução à tolerância ao déficit hídrico, sendo capaz de gerar modificações anatômicas, morfológicas e fisiológicas para a planta conseguir sobreviver e manter sua produtividade alta frente a condições de seca”, explica Thiago.
O que é o açúcar trealose e qual o seu papel na mitigação da seca em milho?
O açúcar trealose é classificado como dissacarídeo porque a sua estrutura constitui-se de duas glicoses. Trata-se de um produto muito apreciado pelas indústrias por ser amplamente encontrado na natureza (em cogumelos, camarões, insetos, bactérias e plantas), além de não apresentar toxicidade.
“Em plantas, o trealose é produzido nas células, em pequena quantidade, com a função de proteção contra o dessecamento e o estresse por déficit hídrico. Vários artigos científicos vêm mostrando que uma pulverização foliar de trealose, ou seja, uma aplicação exógena desse produto pode induzir a tolerância ao déficit hídrico, aumentando parâmetros fisiológicos, biomassa e, consequentemente, a produção de grãos”, explica Souza.
Paulo César Magalhães acrescenta que a busca de soluções para aliviar o déficit hídrico é uma das prioridades da pesquisa agropecuária brasileira, visto que ele leva à diminuição da produtividade em diversas culturas. “No caso do milho, a preocupação é ainda maior na segunda safra, quando o estresse causado pela falta de água é iminente”, enfatiza.
O conhecimento da química orgânica permite realizar modificações na estrutura do trealose e produzir derivados dessa substância, como foi o caso da pesquisa desenvolvida em parceria entre a Embrapa e a Universidade Federal de Alfenas. “Como o trealose é uma substância natural e, a partir dela, chegamos aos derivados, esses compostos podem ser chamados de semissintéticos”, diz Souza.
Segundo ele, além dos resultados para a área agrícola, há também estudos sobre substâncias semissintéticas derivadas de trealose voltadas à saúde humana, como agentes anti-inflamatórios, por exemplo. “Apesar dos avanços, ainda dependemos de mais contribuição científica sobre esse assunto, especialmente no que se refere à pulverização de novos derivados na agricultura para potencializar o efeito mitigador do trealose em plantas”, pontua.
Pesquisa comprova aumento da taxa fotossintética
O trealose já possui efeito comprovado de mitigação de estresse por déficit hídrico. A novidade do estudo desenvolvido pela Embrapa e pela Universidade Federal de Alfenas foi incorporar dois novos grupos químicos (tosila e azido) para medir a eficiência fotossintética em milho sob déficit hídrico, considerando as trocas gasosas foliares, a fluorescência da clorofila a e a anatomia foliar.
A mistura utilizada no experimento foi aplicada com pulverizador manual em dois momentos: 12 horas antes da imposição do estresse por déficit hídrico e cinco dias após a imposição do estresse. As plantas contendo de cinco a seis folhas totalmente expandidas foram submetidas ao estresse hídrico por 12 dias, seguido de reidratação. “De forma resumida, foram mensurados parâmetros de fluorescência da clorofila e de trocas gasosas foliares, além de medições anatômicas das plantas de milho”, explica o professor da Universidade Federal de Alfenas.
“A mistura de derivados de trealose aumentou as taxas fotossintética e de transporte de elétrons, além de reduzir os danos no aparato fotossintético. Levou ainda a modificações anatômicas na folha que podem favorecer a taxa fotossintética, como o aumento na densidade de estômatos, que são anexos da epiderme foliar responsáveis pelas trocas gasosas. Todos esses efeitos são primordiais para uma maior tolerância ao déficit hídrico em milho”, acrescenta Souza.
O estudo mostrou que a adição dos dois novos grupos químicos potencializa o trealose em seu papel mitigador de estresse hídrico. A mistura de derivados deflagrou respostas da planta a favor da manutenção da atividade fotossintética, mesmo que haja perda de água.
“Esses resultados contribuem para futuras pesquisas de prospecção de produtos para amenizar estresses climáticos, conhecidos como bioestimulantes, para expandir e explorar melhor a atividade agrícola, diminuindo os riscos climáticos”, concluem os pesquisadores.
Fonte: Embrapa Milho e Sorgo