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Agricultura regenerativa é um modelo de cultivo promissor para a preservação da terra e da biodiversidade a longo prazo.
15/12/2023
Por Lais Lazarini
Lais Lazarini
Em Campinas-SP, encontramos Cid Manicardi, um dentista que divide seu tempo entre o consultório e um sítio onde reside com a família. Lá, ele adotou a produção regenerativa. Suas principais culturas comerciais são café e banana, dentre várias secundárias.
Por se tratar de uma propriedade com dois hectares, o módulo rural adotado é mínimo. Os princípios se baseiam em praticar agricultura orgânica em sistema agroflorestal e biodiverso. Ele e a família também tornaram o local um ponto de demonstração, vivências, ensino e aprendizado em relação ao tema. “Minha vocação maior talvez esteja na demonstração de que a agricultura regenerativa é simples, barata, saudável e resiliente em tempos de emergência climática”, afirma Cid.
As mudanças do solo em uma produção regenerativa são visíveis a olho nu. A terra fica mais escura, o que sinaliza a alta quantidade de carbono presente. Seres vivos como minhocas, gongolos e tatu-bolinhas começam a aparecer em abundância. E, a cada ano, a geração de biomassa evolui em larga escala.
Cid acredita que a compreensão desempenha um papel desafiador na adoção desse sistema. Ele explica que é preciso ter a percepção dos mecanismos naturais da vida, das inter-relações entre seres, solos e plantas, e qual é o papel da sociedade frente a isso.
Para ele, os métodos regenerativos são o único caminho para a sobrevivência do planeta. Isso porque é uma modalidade de cultivo que busca se aproximar do modelo florestal, estimulando os processos biológicos. Nesse sentido, não é apenas evitar a degradação, mas promover o desenvolvimento, que acontece ano a ano, da matéria orgânica, da biodiversidade e saúde do solo.
A missão de Cid e da família, além de disseminar esse modelo de cultivo para a sociedade, é criar técnicas integradas que fortaleçam a resiliência da população camponesa, das culturas agrícolas e do ecossistema. Isso tudo baseado em qualidade de vida, dignidade e retorno financeiro no trabalho rural. “Ah, e melhorar a cada dia o sabor, qualidade e produtividade de nosso café, nossa grande paixão!”.
Policultivo
A pouco mais de 100 quilômetros dali, em Ibiúna-SP, o produtor Lucas Gattai trabalha em um sítio que também segue o modo de produção regenerativo. Ele acredita que o principal diferencial dessa prática é a adoção do sistema de policultivo, medida em que o agricultor produz diferentes tipos de plantios ao mesmo tempo, em uma mesma área.
“Se a gente for observar em qualquer fragmento de área nativa, a gente vê que existe uma grande quantidade de plantas diferentes por metro quadrado. Então, a gente se inspira na metodologia que a própria natureza desenvolveu”, afirma o produtor.
Lucas conta que, além da alta produtividade, o sistema de policultivo contribui com os fatores climáticos. Ele explica que, em sua região, os agricultores sofrem com as geadas e, desde que adotou o método, os prejuízos diminuíram drasticamente. As bananeiras, por exemplo, servem como um “guarda-chuva” para as plantações ao redor.
A transição da agricultura convencional para a regenerativa é um processo lento, diferente da que os trabalhadores rurais estão acostumados, o que se torna um dos principais desafios, conforme observado pelo produtor. Além disso, nos primeiros anos, é preciso iniciar os trabalhos em um solo que já está degradado, portanto, as plantas requerem tempo e manejo para se recuperar. Aos poucos, elas começam a crescer com mais vigor e em maior escala.
Para o futuro, Lucas espera seguir adotando cada vez mais práticas a favor da preservação do solo, aumentando a produtividade da área, a ponto de ser considerada “autossuficiente”. “E também continuar pela disseminação da agricultura de base agroecológica, como linha política, social, ambiental, e tentar ver se a gente consegue mudar a consciência das pessoas, para elas entenderem a importância de a gente mudar o sistema atual”, afirma o produtor.
De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), a produção de produtos químicos e industriais já atinge a marca de 2,3 bilhões de toneladas, e as estimativas indicam que essa quantidade dobrará até 2030. Essa tendência impacta diretamente o solo, um recurso fundamental para a produtividade e a saúde da fauna e flora. É nesse cenário que a agricultura regenerativa emerge como um modelo de plantio crucial, demonstrando que é possível - e extremamente urgente - produzir alimentos de alta qualidade enquanto se reduzem significativamente os impactos ambientais.
Nutrientes
Humberto Pires, que é agroecólogo e produtor orgânico, explica que os princípios da agricultura regenerativa são baseados em tornar os solos mais ricos em nutrientes a partir de insumos biológicos, além de criar meios de proteção à terra que sejam naturais. Um exemplo é adotar o uso de plantas forrageiras como cobertura constante do solo, para que o terreno fique organicamente protegido.
De acordo com Humberto, adubos feitos a partir de matérias orgânicas são ricos em macro e microrganismos. Por isso, quanto mais material desse tipo estiver disponível no solo, mais a planta irá se desenvolver, repleta de nutrientes. Quando é oferecido no terreno apenas o básico para sua sobrevivência – como ocorre nas agriculturas convencionais –, a planta fica mais suscetível ao ataque de pragas e doenças. Automaticamente, o agricultor será obrigado a usar insumos químicos, deixando o alimento cada vez mais contaminado.
O técnico conta que, em uma produção regenerativa, todos os sistemas são integrados. Ou seja, a produção de vegetais caminha junto à produção de animais. Ele dá o exemplo da criação de abelhas, que, além de produzirem mel, fornecem o pólen, que aumenta diretamente o rendimento de alimentos. “Quanto mais integrada é a propriedade, mais econômica e autossustentável é o processo”.
Segundo Humberto, a oferta de crédito para produtores interessados em adotar práticas sustentáveis ainda é muito baixa, o que dificulta o incentivo para esse modelo. Ele afirma que é necessária a implementação de políticas públicas que incluam programas de aquisição e valorização dos alimentos, pagamentos por serviços ambientais, dentre outros, que capacitem o produtor a iniciar a transição em direção à agricultura regenerativa.
Fonte: Lais Lazarini