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08/09/2021
O baruzeiro, árvore nativa do Cerrado, é uma das espécies de fruteiras nativas mais promissoras para plantio em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), em que lavouras de grãos, árvores e rebanhos são produzidos em um mesmo espaço. Atualmente, o eucalipto é o gênero preponderante nesses sistemas. No entanto, o baruzeiro possui uma vantagem: além da madeira, a árvore produz uma valiosa semente. O baru, cumaru ou cumbaru, como é conhecido, assemelha-se a uma castanha e a demanda por ele tem crescido nos últimos anos no Brasil e no exterior. A previsão de crescimento de sua comercialização é de 25% ao ano entre 2019 e 2029, segundo artigo publicado na revista de pesquisas sobre mercados Fact.MR.
O Brasil é o principal país do mundo que produz essa espécie. Quase metade da produção das sementes é vendida para o exterior, 25% para Europa e outros 22% para os Estados Unidos. Um dos motivos do aumento da comercialização desse produto, segundo a publicação, é a busca por alimentos saudáveis. O baru está sendo apresentado como um superalimento, por seu alto valor nutricional.
Esse cenário pode aumentar a renda das comunidades tradicionais, já que a quase totalidade dos frutos vem do extrativismo. No entanto, a demanda pode ser maior do que o País tem capacidade de fornecer. Por isso, é fundamental o desenvolvimento de sistemas de plantios comerciais da espécie. “Isso vai possibilitar o aumento da produção e da renda dos produtores rurais”, analisa o pesquisador da Embrapa Cerrados Fernando Rocha, líder do projeto que avalia espécies nativas – baru, mangaba e pequi – em sistemas ILPF.
A indicação do baruzeiro para sistemas integrados considerou várias questões, incluindo o potencial econômico da planta. “O baru pode ser outra fonte de renda para os produtores. A planta tem porte e características físicas adequadas. O produtor pode vender o fruto e ainda tem a madeira, que é de ótima qualidade e pode trazer uma renda considerável”, explica a pesquisadora Maria Madalena Rinaldi.
Rocha afirma haver um reconhecido potencial do uso dessa planta em áreas de criação animal: “Há evidências de que o baruzeiro vai funcionar em sistemas integrados. Quando os produtores limpam a área, eles retiram todas as árvores, mas deixam a de baru. É uma das únicas árvores que eles deixam no pasto”.
Além da sombra, os animais se alimentam de seus frutos. A indicação da pesquisa para inserção dessas fruteiras em sistemas integrados considera a baixa viabilidade de implantação de áreas de monocultivos. “O plantio em consórcio com outras espécies se torna mais viável”, defende.
Um dos principais desafios para a domesticação do baruzeiro é a produção de mudas de qualidade. Atualmente, não há metodologia desenvolvida para sua reprodução assexuada, que garante que as novas plantas tenham as mesmas características da planta-mãe, o que não acontece quando as mudas são produzidas a partir das sementes.
“O desenvolvimento de um protocolo para produção de clones de baru é muito importante quando se pensa em plantios comerciais. Quando se tem uma boa planta e se faz um clone, muito provavelmente ele será excelente também”, explica o pesquisador da Embrapa Wanderlei Lima. Os resultados dos experimentos em andamento são bastante promissores.
Com a enxertia, o percentual de pegamento das mudas pode chegar a 60%. As mudas produzidas a partir de sementes foram usadas como porta-enxerto: parte da planta onde é inserido o material de outra da qual se quer obter as mesmas características.
“Esse trabalho traz práticas inéditas para todos. Estamos muito otimistas de que a enxertia será uma técnica viável para o baruzeiro”, afirma. O próximo passo é aprimorar o processo utilizando a experiência adquirida no primeiro experimento e chegar de 80% a 90% de pegamento. “Acredito que se aprimorarmos essa técnica, podemos chegar a uma metodologia de reprodução assexuada”, prevê Lima.
Em 2019, ele e os colaboradores do projeto, Fernanda de Morais e Vicente Moreira, começaram experimentos com estaquia, que consiste em usar parte de uma árvore selecionada e induzir a formação de raízes e da parte aérea para gerar uma nova planta.
“Nós usamos ramos lenhosos, brotações e regulador de crescimento para ver se conseguíamos o enraizamento. Geramos quatro mudas que serão usadas em outro experimento. Tudo o que estamos fazendo é inédito. Até hoje não existe uma metodologia para essa técnica com baru. Nunca foi apresentada uma muda de baru resultante dessa técnica”, afirma.
“Começamos caracterizando os frutos e as sementes. Precisamos de boas sementes para termos boas mudas.” Rinaldi explica que um cultivo bem-sucedido começa com a semente, que tem que possibilitar sua multiplicação. Para isso, ela avaliou a safra de 2019 dos frutos da área experimental da Embrapa Cerrados (DF) e de amostras de árvores selecionadas por agroextrativistas de Arinos (MG).
Foi analisada a produção total do experimento da Embrapa Cerrados, 1.932 amostras, além de outras 300 de Arinos. Os frutos e as sementes foram avaliados quanto ao seu tamanho e formato e se possuíam sementes. Quanto maior o tamanho dos frutos maior será a probabilidade de rendimento em polpa e semente superiores. A homogeneidade dos tamanhos também é outra característica desejável.
Os resultados mostraram que as árvores do experimento da Embrapa apresentam diferenças consideráveis quanto à produção e à viabilidade de frutos e sementes e também em relação às suas características físicas. No entanto, não houve diferença na composição das sementes dos dois locais de coleta, Distrito Federal e Minas Gerais.
“Buscamos plantas que tenham características desejadas, como boa quantidade de proteína na semente, e também funcionais, como níveis de vitamina C, antocianinas e flavonoides”, informa a pesquisadora. As safras de 2020 e 2021 passarão pelas mesmas análises, o que gerará dados bastante consistentes sobre os frutos e as sementes do baru.
Cerca de 400 mudas estão prestes a serem levadas a campo, para uma área de três hectares na Embrapa Cerrados. Esse será um dos primeiros experimentos de ILPF do Brasil com espécie frutífera nativa do Cerrado. As sementes usadas vieram de uma matriz da Embrapa Cerrados e dez de Arinos.
“Vamos ver como será o comportamento da árvore no sistema. Primeiro será cultivada soja ou sorgo, dependendo do período do plantio, e depois culturas anuais. Por último será feito o plantio de pastagens para inserir os animais na área”, informa a pesquisadora Karina Pulrolnik.
“O baru é uma espécie que nasce relativamente bem. É importante usar sementes de frutos recém-colhidos e bem armazenados”, informa o pesquisador Tadeu Graciolli. Para formar as mudas, ele preparou um substrato com terra e fibra de coco e usou um fertilizante de liberação lenta. Em um novo projeto, Gracioli estudará a formulação de um substrato específico para o baru.
Ainda neste ano também será implantado o primeiro experimento com testes de adubação para definição dos níveis de correção do solo e adubação para o baruzeiro. “Ouvimos sempre as pessoas falarem que não é necessário adubar as espécies nativas porque elas já estão adaptadas às condições do solo do Cerrado. Mas vamos testar para ver se é possível melhorar os resultados das plantas”, explica a pesquisadora Helenice Gonçalves, responsável pela atividade.
Para esse experimento, ele conta que outras 800 mudas foram produzidas com o apoio do assistente José Cardoso. As sementes foram plantadas em substratos com solo e esterco. Depois foram transferidas para embalagens maiores com substrato enriquecido com calcário e adubo nitrogênio, fósforo e potássio (NPK).
Para Rocha, o cultivo comercial das espécies nativas precisa de cuidados como qualquer outra cultura, como um pomar de laranjas ou maçãs, para obter um rendimento adequado. Elas precisam ser adubadas, irrigadas e deve ser feito o manejo de plantas daninhas, pragas e doenças.
O baru tem mais nutrientes que o amendoim e a maioria das nozes. Quase 30% de seu peso é composto por proteína. Também é rico em vitamina C, ferro, polifenóis, flavonoides e antocianinas e por isso está sendo apresentado como um alimento funcional.
Todo o fruto pode ser aproveitado. A polpa contém carboidratos, lipídeos, proteína, fibra e cinzas e pode ser adicionada em receitas de pães e bolos para aumentar a qualidade nutricional. A parte mais interna do fruto (endocarpo) pode ser usada como carvão com alto valor calorífico.
“O comércio do baru é uma atividade sustentável, já que não é necessário cortar a árvore para a obtenção do produto”, é o que explica Kolbe Soares, analista de conservação da WWF-Brasil. Ele informa que existem mais de 700 espécies no Cerrado que possibilitam essa exploração sustentável e não madeireira.
“O mercado externo está descobrindo o pequi, o baru, o babaçu, o artesanato com capim dourado. Os produtos das comunidades extrativistas têm alcançado o mercado interno e o externo”, conta Soares.
Sobre o baru, o analista explica que ele está sendo divulgado aproveitando a “onda” das castanhas brasileiras, já bem conhecidas lá fora, como a de caju e a do Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de baru em 2018 foi de 95,8 toneladas, distribuídas nos estados de Goiás e Mato Grosso, e de 69,3 toneladas em 2019. O preço mínimo do quilo, estabelecido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), é de R$ 25,50, mas há registro de venda por até R$ 80,00 naquelas safras.
O crescimento da procura pelo baru tem uma explicação: o aumento da consciência do público em relação aos produtos consumidos. Essa opção traz grandes impactos para o País. “As comunidades utilizam as espécies nativas para gerar renda e ao mesmo tempo preservam o bioma em pé, o que também mantêm as pessoas no campo, reduzindo o êxodo rural. O aumento da demanda fortalece a atividade e diminui a pressão pelo desmatamento do Cerrado e tudo isso vira um ciclo com benefícios amplos para a sociedade”, expõe Soares.
O pesquisador Fernando Rocha acredita que o baru já é definitivamente um produto com demanda nacional e internacional. Por isso, ele diz ser muito importante desenvolver um sistema de produção para garantir a oferta do produto evitando que isso seja feito em outro país, como ocorreu com a macadâmia. Nativa da Oceania, a seleção de material e o desenvolvimento de metodologia para seu plantio comercial foi feito no Havaí, Estados Unidos, no século 19.
Para comemorar o aniversário de Brasília, o chef Dudu Camargo criou um prato elaborado com ingredientes da região: pescada amarela ao molho de tangerina com maracujá Pérola do Cerrado acompanhada de arroz cremoso de baru e farofa de baru. Para quem não conhece, o post do prato no Instagram explica que o baru é uma castanha nativa do Cerrado ainda pouco explorada e traz a seguinte justificativa: “Nada mais justo que utilizar ingredientes locais para homenagear a nossa cidade, que encanta por sua beleza e especiarias únicas”.
Assim como Dudu, vários outros chefs da capital têm dado aos frutos do bioma um espaço especial em seus cardápios, e não apenas em pratos salgados. Tem caipirinha com pequi, pizza doce com baru e sorvete de cajuzinho-do-cerrado.
Popularizar os ingredientes da região é também o trabalho do chef Vinícius Rossignoli (foto). Depois de passar pelo programa MasterChef, em 2018, o goiano se especializou na utilização dos recursos do bioma onde nasceu e agora é uma das referências em gastronomia do Cerrado. Em seu trabalho, prepara pratos diferenciados para autoridades e influenciadores em busca de apoio a projetos que fortaleçam essa bandeira: resgatar nossa cultura e valorizar nossa biodiversidade.
Ele acredita que a apresentação de sabores únicos e diferenciados dos produtos nativos pode levar à preservação das espécies. “A gastronomia é como a gente entende a preservação. Quando há consumo, há produção e ocorre a preservação. O Cerrado tem riquezas inigualáveis que poucos conhecem”, argumenta.
Em 2020, Leonardo Antunes, dono de uma rede de pizzarias do Distrito Federal, também apostou nas espécies do Cerrado para diversificar seu cardápio. Rossignoli foi o responsável pela capacitação de pizzaiolos da cidade para elaboração de receitas com frutos da região. O resultado foram 13 pizzas inéditas. Dessas, seis foram selecionadas por um júri para entrar no cardápio. “Foi uma competição difícil e o resultado foi muito superior às nossas expectativas”, lembra o empresário.
A escolha pela pizza parece óbvia. “A pizza é um dos alimentos mais democráticos. Todo mundo gosta. Levamos os ingredientes do Cerrado, que não são muito conhecidos, para um prato muito popular para as pessoas provarem”, conta o chef. A proposta deu certo. Hoje, as pizzas do Cerrado respondem 30% dos pedidos nos rodízios, mesmo representando menos de 10% das variedades disponíveis para os clientes.
“Em todos os lugares do mundo, a gastronomia valoriza os ingredientes locais. No Brasil, temos que fazer o mesmo, valorizar o que é nosso. Assim vamos ter também alimentos mais frescos. Com os sabores do Cerrado, sei que estamos fazendo o caminho certo [na gastronomia]”, declara Antunes.
Fonte: Embrapa Cerrados