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14/03/2023
O trigo é um cereal rico em arabinoxilanos, uma classe de fibra alimentar cujo efeito prebiótico já é conhecido. Mas será que esses compostos se mantêm íntegros na farinha, após o processamento do trigo? Segundo uma pesquisa do Centro de Pesquisa em Alimentos da Universidade de São Paulo (Food Research Center – FoRC/USP) e da Universidade de Córdoba, na Argentina, a resposta é sim. E mais: em quantidade suficiente para gerar dois efeitos positivos: ação prebiótica e antitumoral.
“De uma maneira geral, o trigo tem uma quantidade grande de fibras alimentares solúveis e insolúveis, com benefícios diversos para o organismo. Entre as solúveis, prevalecem os beta-glucanos, cujos efeitos biológicos são bem conhecidos, e os arabinoxilanos, ainda pouco explorados pela ciência. Por isso, nossos estudos foram focados nos arabinoxilanos”, conta o coordenador da pesquisa, João Paulo Fabi, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e pesquisador do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC).
Foram cinco anos de pesquisa e vários artigos publicados que resultaram em diversas descobertas. Na Universidade de Córdoba, foi desenvolvido o método de extração dos compostos e confirmada sua efetividade prebiótica por meio de análises in vitro e com animais. Na FCF-USP foi feita a caracterização da estrutura química dos arabinoxilanos do trigo e os testes in vitro que mostraram sua ação antitumoral. Os trabalhos tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no Brasil, e do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET), na Argentina.
“O método de extração que desenvolvemos usa tratamento químico e térmico para a retirada dos arabinoxilanos das farinhas dos trigos de grão mole e duro. A extração foi feita em um ambiente levemente alcalino, sem uso de solventes tóxicos”, conta Candela Paesani, pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade de Córdoba e pós-doutoranda no FoRC.
Efeitos comprovados – Depois de isolados e purificados, os arabinoxilanos do trigo duro foram colocados em uma cultura de bactérias do trato intestinal, quando foi constatado o efeito prebiótico. “Verificamos que os compostos serviam de alimento para as bactérias, facilitando a reprodução e o aumento da população dos micro-organismos benéficos, e diminuindo o crescimento de cepas bacterianas menos favoráveis ao intestino”, afirma Paesani. Em comparação com o grupo controle, que recebeu apenas glicose (carboidrato não prebiótico), a população de bactérias benéficas (lactobacilos e bifidobactérias) foi 25% maior e a de bactérias maléficas (Clostridium) foi 10% menor. “Ambas as amostras demonstraram efeitos iguais ou maiores que aqueles observados com a inulina, fibra com forte efeito prebiótico”, acrescenta Paesani.
Nos experimentos in vivo, os ratos foram alimentados com a dieta complementada com esses polissacarídeos durante quatro meses e os resultados comparados com um grupo de animais que recebeu alimentação convencional. “Os efeitos prebióticos se repetiram. Os ratos que receberam os arabinoxilanos não demonstraram alterações no peso e no apetite e obtiveram um perfil de bactérias microbióticas similar aos testes in vitro, além de potencializarem a liberação de ácidos graxos de cadeia curta”, afirma Paesani. No intestino, os ácidos graxos de cadeia curta têm efeitos benéficos na manutenção da saúde do órgão, como o controle do crescimento de micro-organismos patogênicos, o fornecimento de energia para crescimento das células intestinais, e a proteção das mesmas células contra o surgimento de câncer.
Segundo Paesani, com base nos resultados obtidos e nas quantidades consumidas de arabinoxilanos pelos ratos, uma pessoa teria que consumir 320 mg de arabinoxilanos para cada quilo de peso corporal, o que equivale a 24 g para uma pessoa com 75 kg. “Sabendo que a ingestão diária recomendada de fibras está entre 25 g a 35 g por dia, isto o torna viável pensar sobre o desenvolvimento de alimentos enriquecidos com esses extratos.”
Outro estudo usou os arabinoxilanos na fermentação de fezes humanas para descobrir se os efeitos poderiam ser observados além dos ratos. “Observamos a mesma coisa: um aumento no número de bactérias benéficas e na liberação de ácidos graxos de cadeia curta, o que indica os possíveis efeitos benéficos e também uma redução no risco de prisão de ventre e de desconfortos ao defecar”, detalha a pesquisadora.
Já os estudos in vitro, feitos em células tumorais que simulavam condições do câncer de intestino humano, mostraram que foi possível reduzir em até 35% o número de células doentes. Isso ocorreu por dois fatores: a inibição da reprodução de células e o estímulo à morte celular. “Os compostos [arabinoxilanos e beta-glucanos] começaram a impedir a divisão celular ainda na primeira etapa de seu ciclo de reprodução, o que levou à morte celular precoce em cerca de um terço dos casos", detalha Paesani.
Segundo Fabi, as células do câncer de cólon crescem mais rapidamente que as saudáveis por dois motivos principais: ciclo celular indefinido (sem paradas) e inibição da apoptose (morte celular programada). “No nosso trabalho, vimos que as amostras reprogramaram as células fazendo com que o ciclo celular parasse, além de estimularem a apoptose. Dessa forma, as células que antes cresciam rapidamente tiveram as taxas de crescimento diminuídas por causa da parada do ciclo celular e da indução da morte programada. Os receptores e mecanismos moleculares responsáveis por essa reprogramação ainda estão sendo estudados.
Para o professor, de maneira geral, a bibliografia produzida pelo grupo mostra que os arabinoxilanos são prebióticos capazes de modular positivamente as bactérias da microbiota intestinal, o que traz diversos benefícios na manutenção da saúde intestinal. “Em todos os estudos, esses polissacarídeos não se mostraram tóxicos. Isso abre portas para futuras pesquisas em humanos”, afirma.
Suplemento prebiótico – A partir dos resultados obtidos, os pesquisadores decidiram dar um passo além: extrair os arabinoxilanos do farelo de trigo – um subproduto do processamento do cereal que hoje é usado principalmente na ração para animais. Para tanto, está sendo utilizada uma estratégia parecida de extração, isolamento e purificação dos arabinoxilanos que foi desenvolvida para a farinha.
“Se conseguirmos isolar uma fração suficiente desses compostos, será possível produzir um suplemento que irá suprir as necessidades de pessoas que não podem consumir farinha, a exemplos de pessoas intolerantes ao glúten ou celíacos”, afirma Fabi. “Já repetimos os estudos in vitro e conseguimos obter efeitos prebióticos similares e reduzir em até 50% a proliferação de células cancerosas”, detalha.
Hoje, a parte do farelo que não é utilizada para o consumo animal geralmente é jogada fora após a moagem. “Um suplemento deste tipo será uma alternativa para agregar valor ao farelo de trigo e ampliar o aproveitamento desse subproduto”, afirma Fabi.
Fonte: Acadêmica Agência de Comunicação