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03/12/2020
A organização internacional Global Witness revelou a extensão do desmatamento ligado às cadeias produtivas de algumas das maiores empresas de carne bovina do mundo: JBS, Marfrig e Minerva. A investigação constatou que entre 2017 e 2019, apenas no estado do Pará, essas empresas compraram gado de 379 fazendas com mais de campos de futebol de desmatamento ilegal, infringindo os termos de ajuste de conduta firmados com o Ministério Público Federal e as suas obrigações legais. Avaliações erradas feitas pelos auditores internacionais DNV-GL e Grant Thornton para monitorar o cumprimento dessas obrigações não foram capazes de identificar esses casos, mas foram usadas pelas empresas para dar um "greenwash" (verniz ecológico) em suas credenciais ambientais.
A pesquisa também mostra como essas gigantes da carne bovina falharam em monitorar mais de 4.000 fazendas no Pará inseridas em suas cadeias produtivas, e com um total estimado de 140.000 campos de futebol de desmatamento, para evitar que gado dessas fazendas chegasse a seus frigoríficos. Ademais, JBS e Marfrig compraram gado de pecuaristas acusados pelo Ministério Público Federal de grilagem de terras, abusos de direitos humanos de povos indígenas e ativistas dos direitos à terra, além do assassinato de representantes de movimentos de trabalhadores sem terra.
Essas falhas foram recompensadas por grandes bancos da UE e dos EUA, que financiaram as empresas de carne bovina em quase R$ 14 bilhões no período analisado. Nomes tradicionais como Santander, Deutsche Bank, Barclays, Morgan Stanley, BNP Paribas, ING e HSBC aparentemente falharam em fazer a due diligence de seu envolvimento com essa destruição e continuam a apoiar as empresas de carne bovina, apesar de muitos avisos sobre seus problemas. Grandes bancos brasileiros também estão envolvidos, com Bradesco e Banco do Brasil, que facilitaram mais de R$ 6 bilhões para as empresas no período.
A nova investigação da Global Witness, Carne Bovina, Bancos e Amazônia Brasileira, mostra como a ausência de leis em países consumidores e centros financeiros como a Europa e os EUA significa que as empresas de carne bovina, os bancos e investidores que as apoiam e os importadores e supermercados que compram sua carne podem continuar lucrando com o desmatamento desenfreado sem arcar com as consequências.
"Nossa investigação demonstra claramente que um setor privado não regulamentado e com políticas voluntárias de não desmatamento não conseguiu lidar com a destruição da floresta e os abusos dos direitos humanos relacionados. Isso pode contribuir para a perda permanente da floresta amazônica", diz Chris Moye, Investigador Sênior da Amazônia na Global Witness. "Todos os envolvidos - fazendas que criam gado, gigantes da indústria da carne brasileira, auditores internacionais, financiadores tradicionais, supermercados, importadores e redes de fast-food - estão destruindo florestas tropicais, ou são cúmplices, com auditorias falhas realizadas por auditores americanos e europeus", acrescenta.
"Existe uma alternativa. Governos em todo o mundo devem tomar medidas e garantir que as empresas, incluindo bancos, sejam responsabilizadas por seu papel na destruição da Amazônia, exigindo due diligence obrigatória sobre riscos de desmatamento. Isso teria um impacto real na viabilidade do modelo de negócios destrutivo das empresas de carne bovina e as obrigaria a enfrentar o desmatamento e os abusos de direitos humanos em suas cadeias produtivas", conclui Moye.
A equipe da Global Witness usou diversas técnicas investigativas, incluindo imagens de satélite, análise geoespacial, mineração de dados, documentos publicamente disponíveis e entrevistas com fontes. A investigação fornece provas detalhadas de todas as alegações, com imagens de satélite para cada uma das 379 fazendas incluídas no relatório. Seis estudos de caso originais também ilustram como essas empresas de carne compraram de pecuaristas acusados de fraudes, grilagem de terras e violações de direitos humanos, ou que foram multados pelo Ibama por desmatamento ilegal.
Essas descobertas vêm à tona enquanto a Amazônia está sendo destruída a taxas alarmantes, com a revogação de proteções florestais pelo governo Bolsonaro, redução da fiscalização durante a COVID-19 e outra devastadora temporada de incêndios, criando o pior cenário possível. O desmatamento da Amazônia aumentou dramaticamente ao longo de 2019 e 2020, resultando na maior taxa de desmatamento desde 2008. No Brasil, 70% dessa destruição foi causada pelo desmatamento de terras para a pecuária. Sozinha, a produção de carne bovina no Brasil é considerada a principal causa de emissões provenientes de desmatamento na América Latina.
Preservar as florestas tropicais é fundamental para ajudar a interromper a degradação do clima e proteger as comunidades locais e os povos indígenas que dependem delas e as defendem. Além disso, a pandemia de Covid-19 destacou a importância de preservar os hotspots de biodiversidade, como a Amazônia, para prevenir a propagação de zoonoses.
A Global Witness está convocando os países que importam, financiam ou investem em commodities de risco florestal, como a carne bovina brasileira, a aprovar legislação exigindo que todas as empresas, incluindo instituições financeiras, identifiquem, previnam, mitiguem e relatem riscos de desmatamento e direitos humanos relacionados às florestas.
A Global Witness também pede que JBS, Marfrig e Minerva adotem total transparência em suas cadeias produtivas, a fim de permitir o escrutínio público das fazendas das quais essas empresas compram gado. Até que tais medidas sejam implementadas, nenhum financiador ou comprador pode confiar nas garantias das empresas de que seus compromissos relacionados à floresta estão sendo respeitados.
O Governo Federal do Brasil deve assegurar que dados independentes e publicamente disponíveis que rastreiam o ciclo de vida do gado sejam facilmente acessíveis, como as guias de trânsito animal que mostram de quais fazendas as empresas de carne compram.
Todas as empresas de carne bovina, bancos e auditores apresentados no relatório foram procurados para comentários (consulte as notas ao editor abaixo).
Leia a íntegra do relatório da Global Witness clicando aqui.
Fonte: O mundo que queremos / Global Witness