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31/05/2022
Um ano após ser implantado, o primeiro CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) sustentável do Brasil já traz resultados surpreendentes para a cadeia de valor do cacau, antecipando em um ano os impactos socioambientais previstos pelo projeto. Relatório da ONG Tabôa, que acabou de ser divulgado, aponta uma melhora de 38,9% na renda bruta média dos agricultores familiares que acessaram crédito na primeira rodada. O resultado é explicado pelo aumento da produtividade - que cresceu em média 36,2% - e da produção para o mercado de qualidade do cacau. Entre os que produziram cacau de qualidade, que é vendido com um prêmio sobre o preço da commodity no mercado, esse incremento foi ainda maior: 58,6%, em média. Nesse período, o número de produtores de cacau de qualidade saltou de 16 para 44, um crescimento de 157%.
O CRA foi concebido a partir do modelo de blended finance, que mescla recursos de investidores do mercado e de organizações filantrópicas, que contribuem para a viabilidade econômica da operação. Os recursos, da ordem de R$ 1,37 milhão, foram repassados a 184 produtores do Sul da Bahia pela ONG Tabôa, que desenhou a operação em conjunto com o Grupo Gaia e os institutos Arapyaú e humanize. O propósito da iniciativa é melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares por meio do aumento de renda e do incentivo à adoção de métodos de agricultura de baixo impacto ambiental, a exemplo das práticas agroecológicas.
"O blended finance vem ganhando espaço no mundo inteiro, pois mitiga riscos e consegue atrair investidores tradicionais para operações socioambientais, que costumam dar retornos de longo prazo e têm desafios sociais e ambientais complexos para lidar", afirma Thais Ferraz, diretora-executiva do Arapyaú, instituto filantrópico que tem o desenvolvimento sustentável da região Sul da Bahia como um de seus principais eixos programáticos". Com esse programa, queremos melhorar a qualidade de vida no campo, estimular a produção de cacau de qualidade e proteger a sociobiodiversidade, o que está se mostrando viável".
Boa parte dos que acessaram os recursos nunca havia tomado crédito antes. "O CRA não foi feito para substituir as políticas públicas de financiamento rural, mas, sim como uma demonstração de que é possível criar processos mais inclusivos e simplificados de acesso ao crédito e ao mesmo tempo garantir baixa inadimplência", afirma Roberto Vilela, diretor-executivo da Tabôa, que oferece crédito e formação a pequenos empreendedores e agricultores, fortalecimento de organizações de base comunitária e apoio a projetos socioambientais. Outro dado que chamou a atenção no relatório foi a inadimplência quase zero (0,48%), muito abaixo dos parâmetros usados para estruturar o projeto". Esse resultado surpreendeu o mercado financeiro, demonstrando condições de atingir escala".
Segundo Vilela, uma soma de fatores explica a baixa taxa de inadimplência: inclusão de assistência técnica (1 técnico para cada 60 agricultores), que permite um acompanhamento próximo e um uso correto dos recursos; possibilidade de pagamento semestral, de acordo com a safra do cacau; e garantias solidárias, adotadas nos créditos coletivos. Nestes casos, que representam 73% das operações realizadas, foram formados grupos de três a 12 produtores que, em caso de não pagamento por um dos membros, cobrem em conjunto a parte do inadimplente.
Para acessar os recursos, os produtores se comprometeram a não ter trabalho infantil e a preservar áreas de proteção permanente, como beira de rios e córregos, encostas e nascentes. Todos os agricultores produzem o cacau no sistema cabruca, em que o fruto é cultivado à sombra das árvores, mantendo a Mata Atlântica em pé. Estudo recente, resultado de uma parceria entre Arapyaú, Dengo Chocolates, World Resources Institute (WRI) e Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), mostrou que a cabruca é capaz de estocar, em média, 66 toneladas de carbono por hectare. Além do estoque de carbono, as cabrucas contribuem para a manutenção da biodiversidade e a oferta de água.
O programa incentivou também o empoderamento socioeconômico na agricultura familiar, com a inclusão de mulheres, jovens e assentados. Do total de beneficiados, um terço era mulheres e 75% assentados rurais. A grande maioria dos agricultores tinha uma propriedade de 8 hectares e quase metade tinha jovens envolvidos na produção rural.
Os recursos foram usados para compra de insumos e investimento em Sistemas Agroflorestais com cacau e outras culturas (como açaí, cajá e banana), e também para a aquisição de estufas, casas de coxo (onde as amêndoas de cacau são fermentadas) e armazéns. Os créditos têm prazo de até 3 anos para pagamento e uma taxa de juros de 1% ao mês. Os pagamentos são semestrais. Os agricultores pegaram, em média, R$ 7 mil.
A operação é pioneira na emissão de CRA Sustentável. Para ser considerado sustentável, um título atende a critérios e protocolos e precisa financiar ações que contribuam para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). "Espero que um dia a gente não precise mais falar que um CRA é Sustentável, porque não faz sentido investir em algo que cause prejuízo ao meio ambiente. O CRA Tabôa é um exemplo de como olhar risco x retorno e agregar impacto à conta - e por isso investidores cientes dessa responsabilidade abraçaram o projeto", explica João Paulo Pacífico, do Grupo Gaia.
"Essa iniciativa mostrou o potencial dos agricultores familiares e seu compromisso com a produção sustentável, com a região e com os parceiros. Diante do êxito, estamos construindo uma segunda operação para expandir o impacto social e ambiental".
“O CRA é uma iniciativa inspiradora que, ainda em escala piloto, superou todas as expectativas, suscitando interesse imediato de investidores de impacto, conquistando a confiança dos agricultores e entregando resultados sem precedentes, com uma operação extremamente bem sucedida do ponto de vista financeiro e transformando vidas no campo”, afirma Ana Carolina Avzaradel Szklo, gerente de Sustentabilidade do Instituto humanize, instituição do terceiro setor que integra estratégias e articulações para o fortalecimento da filantropia nacional, e o apoio a entidades de referência para o desenvolvimento sustentável do país. “Esse foi apenas o primeiro passo de um projeto que mostra que o trabalho em parceria com filantropia, investimento privado e negócios de impacto, reúne os elementos necessários para fazer a diferença, endereçando desafios importantes de forma cirúrgica e estratégica. Esse cenário evidencia um modelo capaz de maximizar o impacto e o ganho de escala, podendo ser replicado em outros biomas e territórios, e provoca soluções que beneficiam produtores de cacau e que tocam em problemas sociais da população que vive no campo.”
A operação contou ainda com a parceria do escritório TozziniFreire Advogados e da Agriculture Collateral Experts (ACE), agente de formalização e gestão de recebíveis. Para a garantia das condições socioambientais, o projeto recebeu uma segunda opinião da WayCarbon.
Fonte: Pecan Comunicação