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17/12/2024
Décio Luiz Gazzoni
No 22 de novembro de 2024, terminou, em Baku (Azerbaijão), a 29ª. Conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Muitos temas extremamente importantes estão em pauta nas discussões pelos líderes dos países.
Apesar do negacionismo científico ainda presente, os efeitos das mudanças climáticas na vida de cada habitante do planeta Terra estão se tornando cada vez mais bem compreendidos. Infelizmente, para tanto, foram necessários inúmeros desastres, como as três inundações sequenciais que ocorreram no Rio Grande do Sul, em menos de um ano, sendo que a última grande enchente havia ocorrido há mais de 80 anos.
Recentemente, diversos estudos – publicados nas mais importantes revistas científicas do mundo – analisaram os impactos das mudanças climáticas sobre atividades e o bem-estar da humanidade, entre elas a produtividade da força de trabalho, a produtividade da agropecuária, a utilização da energia e a saúde humana.
Equipes de economistas debruçaram-se sobre os impactos da variação na temperatura média e da precipitação pluviométrica, bem como os impactos das emissões de gases de efeito estufa sobre aspectos micro e macroeconômicos.
Impactos inflacionários
A inflação é uma das principais mazelas econômicas que deprimem o bem-estar social, com sérios reflexos, que vão além do terreno econômico, ingressando em searas políticas, sociais e geopolíticas, como a superveniência de desemprego e da depressão no nível de vida, que leva a fluxos migratórios em busca de melhores condições.
Estudos sobre o tema, especialmente da autoridade monetária da União Europeia, usaram flutuações climáticas históricas para identificar impactos na inflação, em função de mudanças em temperaturas médias, na sua variabilidade temporal, bem como de precipitação anual.
Entrementes, ao contrário de outras interfaces das mudanças climáticas, não existem análises amplas sobre os impactos climáticos na inflação e, em particular, na inflação de alimentos devido às mudanças climáticas, em cenários futuros. Esse entendimento é crucial para uma avaliação abrangente do risco de mudança climática porque preços crescentes ou instáveis representam uma séria ameaça à sociedade global. A crise do custo de vida de 2021/2022 fornece um exemplo dessas implicações, com estimativas das Nações Unidas sugerindo que mais 71 milhões de pessoas podem ter ingressado na faixa da pobreza, devido ao rápido aumento dos preços.
Para preencher esse hiato, um estudo recente, publicado em março de 2024 na revista Nature, pela equipe do Dr. Maximilan Kotz, da Universidade de Potsdam, lança um holofote sobre o tema, com uma avaliação compreensiva dos riscos climáticos, indicando guiais para orientar os esforços de mitigação e adaptação dos governos, bem como alertar os formuladores de políticas monetárias sobre os riscos representados pelas mudanças climáticas. Entre outros aspectos, os autores explicitam que o potencial das mudanças climáticas para impactar a dinâmica da inflação, é de relevância cada vez mais alta para a condução da política monetária, modulando a capacidade dos bancos centrais de cumprirem seu mandato de estabilidade de preços no futuro, preocupação compartilhada pelo Banco Central Europeu.
Para o estudo em tela, esses autores utilizaram informações disponíveis, como a base de dados em alta resolução do Centro Europeu de Reanálise de Previsão de Tempo de Médio Prazo, associados com um conjunto de dados de índices de preços mensais para diferentes agregados de bens e serviços em 121 países do mundo, desenvolvido e em desenvolvimento, que compreende o período de 1996-2021.
Conclusões
O Prof. Kotz e colaboradores aplicaram processos estatísticos e econométricos sofisticados, utilizando mais de 27.000 observações de índices mensais de preços ao consumidor em todo o mundo, para quantificar os impactos das condições climáticas na inflação. Eles verificaram que temperaturas mais altas aumentam a inflação de alimentos e a inflação geral, de forma consistente e persistente, ao longo de 12 meses, observável tanto em países de renda mais alta quanto mais baixa. Esses efeitos variam entre as estações e regiões, dependendo de forma direta das condições climáticas, com impactos adicionais da variabilidade diária da temperatura e precipitação extrema.
Os resultados do estudo mostraram que, os aumentos de temperatura projetados pelo IPCC para 2035 implicam em pressões ascendentes sobre a inflação de alimentos entre 0,92 e 3,23 pontos percentuais, e uma amplitude na inflação geral entre 0,32 e 1,18 pontos percentuais por ano. As pressões são maiores em latitudes baixas, próximas ao Equador, e mostram forte sazonalidade em latitudes altas, atingindo o pico no verão. O estudo refere um exemplo de como o calor extremo, verificado no verão de 2022, aumentou a inflação dos alimentos na Europa entre 0,43-0,93 pontos percentuais, sendo esses índices amplificados entre 30 e 50%, quando projetados para o cenário mais provável de 2035.
Em síntese, além de todos os problemas já elencados em estudos envolvendo outras áreas de impacto das mudanças climáticas, a sociedade global precisa estar atenta à inflação nos alimentos, com todas as suas consequências deletérias porque, além de reduzir o bem-estar social, significa instabilidade política, desemprego, fluxos migratórios e deterioração da condição de saúde da população, por inadequação do atendimento das necessidades nutricionais.
O exposto acima impacta, diretamente, as cadeias de valor da produção agrícola, a montante do consumidor, com aumento de custos, redução de demanda e de margens. A solução para a questão passa pelo investimento maciço em ciência e tecnologia, para gerar desenvolvimento tecnológico sustentável, que permita a adoção de tecnologias que evitem a emissão de gases de efeito estufa, ou que mitiguem impactos das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos.
Décio Luiz Gazzoni é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa, e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica