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13/10/2020
Uma pesquisa da Embrapa Hortaliças (DF), em parceria com a empresa 100% Livre, do ramo de comércio varejista de hortifrútis, pretende elaborar sistemas de produção para diferentes espécies de hortaliças cultivadas em um ambiente controlado e fechado, isto é, em sistemas de agricultura indoor do tipo fazenda vertical e plant factory. Uma unidade produtiva deve entrar em atividade até novembro na cidade de São Paulo.
Esse modelo de plantio de espécies vegetais em um local fechado pressupõe cultivos sem solo ou substratos, iluminação artificial com painéis de LED e controle de diversas variáveis meteorológicas no interior da estrutura de ambiente: temperatura e umidade relativa do ar, radiação líquida e global, concentração de CO2 (gás carbônico), entre outras.
Os experimentos, iniciados em abril deste ano, estão sendo realizados no Laboratório de Agricultura em Ambiente Controlado da Embrapa Hortaliças, uma estrutura de 90 m2 composta por dois contêineres acoplados e modificados, com paredes feitas com placas de termopainel para isolamento térmico e totalmente equipada com sensores para monitoramento das condições ambientais. Mundialmente, esse modelo de agricultura indoor é conhecido como controlled environment agriculture ou pela sigla CEA.
O objetivo principal da pesquisa é definir sistemas de produção para hortaliças folhosas, como alface e rúcula; hortaliças de fruto, como tomate, morango e pimentão; hortaliças condimentares, como manjericão, coentro e salsa; e em uma segunda etapa, sistema para cultivo de brotos ou microgreens. Do ponto de vista do mercado, a escolha das espécies cultivadas é uma etapa importante da pesquisa científica, pois hortaliças com alto valor agregado e ciclo de produção mais curto, com várias safras ao ano, garantem a viabilidade econômica do empreendimento.
“Nossa proposta é aplicar o conhecimento científico sobre a fisiologia de cultivos hortícolas para modificar fatores do ambiente interno e maximizar a produção”, explica o coordenador do projeto Ítalo Guedes, pesquisador da área de nutrição de plantas e cultivo protegido e sem solo da Embrapa. A pesquisa vai considerar a produtividade em um único nível ou camada, no que se entende como plant factory, modelo mais adequado para cultivo de hortaliças de fruto, e a produtividade do cultivo em andares, conhecido como fazenda vertical, formato mais recomendado para folhosas e condimentares.
Os experimentos também estão avaliando qual é o melhor sistema de cultivo sem solo, a partir de duas possibilidades de manejo da nutrição e da irrigação (fertirrigação) das hortaliças: hidroponia e aeroponia. Ambas as técnicas utilizam a mesma solução nutritiva, com nutrientes minerais solúveis em água, mas há diferença na forma de aplicação. Na hidroponia, a solução nutritiva percorre o fundo das calhas, enquanto na aeroponia a solução nutritiva é injetada sob pressão com equipamentos tipo nebulizador que jogam a névoa da solução diretamente nas raízes das plantas.
A hidroponia já é uma técnica conhecida pela economia de água e nutrientes que, em relação ao cultivo em solo e campo aberto, pode reduzir em até 90% o uso de água e até 70% o de adubos. No caso da aeroponia, quando comparada à hidroponia, a economia de água e nutrientes pode alcançar até 30%, dependendo do cultivo.
“Além disso, estamos fazendo a coleta da evapotranspiração dentro do ambiente, utilizando desumidificadores e, assim, conseguimos um reúso de quase 100% da água aplicada no sistema de produção. Só não é a totalidade porque parte da água é absorvida pela planta e passa a integrar a estrutura de seus tecidos”, esclarece Guedes.
A economia de insumos nos modelos de agricultura indoor é uma importante vantagem, especialmente para os grandes centros urbanos localizados em regiões semiáridas e que enfrentam problemas de secas e escassez de água. Fazendas verticais e outros exemplos de agricultura em ambiente controlado podem possibilitar a produção de hortaliças de qualidade em locais que não tenham terra ou clima favorável ou água disponível.
Os testes preliminares feitos com morango e algumas hortaliças folhosas foram promissores, mas os pesquisadores enfatizam que formatar um sistema de produção para essas condições de agricultura em ambiente controlado é um desafio e tanto, mesmo com a experiencia prévia da equipe com cultivo protegido em estufas e casas de vegetação.
Em comparação com o cultivo em campo aberto, por exemplo, há diversos fatores novos que devem ser avaliados como tipos de lâmpadas LED, diferenças no espectro eletromagnético visível (frequências que vão da luz vermelha até a luz violeta), tempo de exposição das plantas à luz (fotoperíodo), quantidade de trocas do ar dentro da estrutura, homogeneidade da temperatura no ambiente, entre outros.
“Em uma analogia com computadores, podemos dizer que os contêineres e sua infraestrutura funcionam como o hardware, e que estamos na fase de desenvolver os softwares necessários para o funcionamento de todo o sistema. Por isso, os experimentos buscam respostas para que tenhamos as instruções e as técnicas que resultem na produção otimizada de hortaliças em ambiente controlado”, comenta o pesquisador, que acrescenta: “Engana-se quem acha possível produzir sem essas instruções, pois a tecnologia dará resultados apenas se acompanhada de um sistema de produção compatível”.
Para o sucesso da produção de hortaliças em ambiente controlado, é preciso monitorar as plantas a todo momento para que elas recebam a água e os nutrientes necessários para seu pleno desenvolvimento. Por exemplo, a checagem dos nutrientes da solução é feita a cada dois dias, assim como a análise da qualidade da água e do fluxo de injeção e drenagem da solução nutritiva.
Nos primeiros meses de pesquisa, os agrônomos observaram que as plantas apresentam um desenvolvimento mais acelerado e precoce dentro do contêiner, em um ambiente interno totalmente controlado. Estudos iniciais com hortaliças folhosas, por exemplo, resultaram na diminuição do ciclo de produção. Variedades de alface atingiram o ponto de colheita com 25 dias após o transplante das mudas, um período dez dias inferior ao do cultivo protegido em estufas.
“A precocidade é desejável porque impacta na otimização da produtividade dos cultivos. Contudo, o desenvolvimento mais acelerado das plantas no ambiente indoor resultou em sintomas de deficiência de nutrientes como cálcio e boro, que ocasionam queimaduras na borda das folhas”, constata o agrônomo Juscimar da Silva, pesquisador da área de nutrição vegetal. Segundo ele, o desafio agora é ajustar a oferta de nutrientes para a planta, seja aumentando a concentração na solução nutritiva ou reduzindo a periodicidade dos fluxos da fertirrigação. Ou seja, é preciso alimentar as plantas no tempo exato e na quantidade correta para maximizar a produção.
A equipe de pesquisadores também estima que o crescimento mais acelerado das plantas, quando comparado ao cultivo em campo aberto, aconteça por causa da intensidade luminosa do ambiente controlado. “Nós observamos que é possível modular os espectros de luz para indução de precocidade nas plantas, mas esse ajuste deve considerar que os nutrientes e demais fatores de produção devem estar também em equilíbrio para que se tenha a máxima eficiência produtiva”, observa Silva.
Além da água, dos nutrientes e da luz, entre os ingredientes essenciais para o desenvolvimento das hortaliças está o gás carbônico (CO2), uma substância primordial para a realização da fotossíntese pelas plantas. Por isso, a modelagem de um sistema de produção para hortaliças em ambiente controlado deve considerar o fornecimento e a concentração de CO2 na atmosfera interna e os pesquisadores estudam qual é a melhor maneira de aportar o gás carbônico para as plantas se desenvolverem bem.
“Em campo aberto é raro que o CO2 seja uma preocupação, já que é um dos principais gases de efeito estufa e tem aumentado consistentemente nas últimas décadas. Em um ambiente fechado, em que a substituição do volume de ar é lenta ou parcial, os níveis de CO2 podem cair rapidamente e limitar a fotossíntese e a produção de alimentos”, pondera Guedes.
Os sistemas de produção que estão sendo desenvolvidos pelos pesquisadores da Embrapa, em parceria com a equipe técnica da empresa 100% Livre, prevêm um modelo de comercialização B2C (business to consumer), ou seja, as hortaliças serão vendidas diretamente ao cliente final prontas para o consumo, sem qualquer necessidade de sanitização. Por isso, fatores relacionados à segurança e à qualidade do alimento são muito importantes.
A cada três dias, por exemplo, é feita uma inspeção aleatória das folhas para detecção de pragas e, para evitar a ocorrência de doenças, a equipe coleta mensalmente amostras de plantas da área cultivada e, no caso de algum sintoma, elas são isoladas e encaminhadas para o laboratório para um diagnóstico preciso.
Esse monitoramento periódico é fundamental porque os sistemas de produção propostos para o modelo de agricultura indoor, que está fisicamente isolado do mundo exterior, dispensam qualquer aplicação de agrotóxicos, o que garante hortaliças livres de resíduos e seguras para o consumo.
Ademais, a equipe pretende definir um protocolo de acesso e de fluxo das rotinas de trabalho para evitar a contaminação por quaisquer agentes externos ao contêiner. O desenho da planta da fazenda vertical baseia-se em normas internacionais de qualidade, como a ISO 22000, que estabelece padrões para produção de alimentos seguros.
A estrutura, por exemplo, possui uma antecâmara para descontaminação de trabalhadores e visitantes antes do ingresso nas áreas de produção para evitar a entrada de insetos e microrganismos que possam ser nocivos às hortaliças. “A produção terá que obedecer a aspectos de higiene e de manipulação para garantir a oferta de hortaliças limpas, livres de agrotóxicos e sem contaminação biológica”, pondera Guedes, que também enumera os atributos de qualidade que serão analisados, como aparência, textura, sabor, aroma e valor nutritivo.
As pesquisas com produção de hortaliças em ambiente controlado foram viabilizadas por meio de uma parceria público-privada (PPP) assinada entre a Embrapa Hortaliças e empresa 100% Livre, que já está construindo uma fazenda vertical na cidade de São Paulo com previsão de entrar em operação até novembro deste ano.
“Nossa programação inicial é cultivar folhas e temperos, mas a cada ciclo de pesquisas na Embrapa, a proposta é ampliar nossa atuação. No laboratório, os pesquisadores realizam testes do modelo de cultivo vertical em pequena escala em termos de viabilidade técnica e, conforme se obtêm resultados bem-sucedidos, nós conseguimos colocar em prática em uma escala muito maior, em um patamar comercial”, comenta Diego Gomes, sócio-fundador da empresa.
Na opinião do empresário, o maior ganho da parceria é com a complementariedade de visão, uma vez que as pesquisas com foco nos aspectos agronômicos e os estudos de viabilidade econômica da produção fornecem embasamento para a atuação da empresa com o público consumidor. “Nosso objetivo maior é entregar praticidade e conveniência, com hortaliças de qualidade e nutritivas, livres de qualquer agrotóxico ou contaminação e prontas para o consumo”, determina Gomes, ao enfatizar que a fazenda vertical não se limita por clima, temperatura ou sazonalidade.
Guedes comenta que a parceria público-privada para essa área de estudo é pioneira no País e até mesmo no mundo. No Japão, segundo ele, há diversas iniciativas de fazenda vertical funcionando comercialmente, em especial por causa do incidente nuclear em Fukushima, que resultou na contaminação do solo e mananciais de água, muito embora os produtores sigam modelos empíricos, pois não há aproximação com universidades e empresas de pesquisa.
“É uma seara nova, com pouca literatura científica e conhecimento consolidado, por isso, cada avanço que temos realizado nos últimos meses é um passo em direção à inovação com selo da pesquisa pública brasileira”, celebra. Outras empresas já demonstraram interesse em parcerias de pesquisa em agricultura em ambiente controlado como a israelense Juganu, que doou um conjunto de lâmpadas LED de alto desempenho para serem testadas na produção de hortaliças.
A produção de hortaliças em campo aberto, de uma forma geral, depende muito de condições climáticas ideais para ser bem-sucedida. No Brasil, a predominância do clima tropical é um fator impeditivo para o cultivo de várias espécies de hortaliças originárias de regiões de clima mais ameno e temperado, muito embora o esforço das pesquisas na área de melhoramento genético para obter cultivares mais adaptadas às condições brasileiras minimize esse problema.
Com as projeções futuras de mudanças do clima, como aumento da temperatura média ou maior intensidade e frequência de chuvas em algumas regiões do País, é consenso que polos tradicionais de produção de hortaliças – incluindo cinturões verdes – possam, no intervalo das próximas décadas, encontrar dificuldades para manter seus níveis de produtividade, sendo obrigados a migrar para áreas com condições ambientais mais favoráveis.
Na agricultura indoor, há uma total independência da produção em relação às condições de temperatura, umidade do ar ou precipitação. “Ao longo do tempo, a adoção de tecnologias vem mudando o perfil da agricultura brasileira e, diante do risco de desabastecimento dos centros urbanos pela distância entre polos de produção e locais de consumo, ganham força os modelos de cultivo em ambiente controlado, ainda mais para hortaliças, que são alimentos frágeis e muito perecíveis”, indica Guedes. Ele ainda enfatiza que a agricultura indoor é apenas mais uma forma de se cultivar hortaliças, um nicho de mercado que não pretende substituir a agricultura convencional e orgânica ou o cultivo protegido em estufas e casas de vegetação.
Com a proposta de economizar insumos, aproveitar espaços urbanos subutilizados e anular os gastos com logística (e combustíveis fósseis) para escoar a produção do local de plantio até o centro consumidor, a agricultura indoor em metrópoles também ganha pontos porque facilita o acesso ao alimento fresco e de qualidade.
As hortaliças produzidas em uma fazenda vertical podem ser consumidas poucas horas ou mesmo minutos após colhidas. Quando o próprio local de produção se torna o local de comercialização e, até mesmo, de consumo, liquidam-se a alta incidência de folhas e frutos danificados e as perdas pós-colheita que, para algumas hortaliças, podem alcançar até 50% do volume colhido.
A proposta de um modelo de produção de hortaliças frescas e nutritivas, ao alcance imediato dos consumidores e localizado em grandes centros urbanos alinha-se, dessa forma, a alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidades, entre eles o ODS nº 11, que versa sobre cidades e comunidades mais resilientes e sustentáveis.
Mas alinha-se principalmente ao ODS nº 12, que fala sobre padrões de produção e consumos sustentáveis, com metas referentes ao uso eficiente dos recursos naturais; à redução do desperdício de alimentos e das perdas ao longo das cadeias de produção e de abastecimento; e à redução do uso de produtos químicos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana.
“O interesse agora não é apenas na quantidade e na qualidade do alimento, mas na forma como essa produção impacta o meio ambiente, os recursos naturais e o futuro do planeta. A agricultura indoor é uma alternativa para tornar nossas cidades mais resilientes e sustentáveis, em resposta aos crescentes desafios de escassez de recurso, pressão populacional e mudanças climáticas”, opina Guedes, ao dizer que em países desenvolvidos a agricultura urbana responde por quase um quarto da produção de hortaliças e frutas.
Em países de clima tropical, as experiências com produção de hortaliças em ambiente controlado são bastante escassas, por isso, a necessidade de a pesquisa científica desenvolver e aprimorar sistemas de produção de alimentos a partir de nossas especificidades, principalmente ao que se refere a adaptações para redução dos custos de produção que possibilitem a ampliação do acesso de hortaliças de qualidade para parcelas cada vez mais expressivas da população.
Fonte: Embrapa Hortaliças
Fonte: Embrapa Hortaliças