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29/07/2020
Especialistas da Embrapa e parceiros desenvolveram mais um sistema orgânico de produção de frutas. A cultura da vez é a manga. O primeiro sistema orgânico do País para a produção de manga foi elaborado com base nos experimentos realizados em Lençóis, na Chapada Diamantina (BA), e também em estudos já existentes gerados por outras instituições e unidades da Embrapa. A média de produtividade se mostrou pouco superior aos valores registrados no sistema convencional no estado da Bahia: 20 toneladas por hectare (t/ha), com previsão de chegar a 25 t/ha no próximo ciclo, contra 15,6 t/ha em média — a diferença poderia ser maior, caso tivesse sido utilizado um espaçamento mais adensado (mais plantas por hectare) nos experimentos. Mesmo assim, o resultado foi comemorado pela equipe de pesquisa porque é mais um incentivo ao cultivo orgânico e à sustentabilidade da agricultura brasileira.
Além disso, há um fator que deve ser ponderado quando se compara o cultivo sob manejo orgânico ao convencional: a não utilização de produtos químicos, que facilitam a produção. Por enquanto, o sistema está restrito a essa região, mas a proposta é que sirva de modelo e possa ser ajustado para outros polos produtivos do País, já que contempla os princípios básicos da produção orgânica.
Esse é mais um resultado do projeto "Desenvolvimento de sistemas orgânicos de produção para fruteiras de clima tropical", conduzido em parceria entre a Embrapa e a empresa Bioenergia Orgânicos desde 2011 — já foram lançados sistemas orgânicos de produção para abacaxi e maracujá. A publicação reúne recomendações técnicas relacionadas a aspectos socioeconômicos, exigências climáticas, preparo e manejo do solo, calagem e adubação, variedades, produção de mudas, implantação do pomar, irrigação, práticas culturais, manejo de pragas (doenças e insetos), colheita e pós-colheita, mercado e comercialização, coeficientes técnicos e rentabilidade.
Preparo e manejo do solo
A base do sucesso da produção em sistema orgânico é o preparo do solo, o qual deve ser revolvido o mínimo possível. A publicação enumera as principais exigências da mangueira, fruteira tropical adaptada a diversos tipos de solo, desenvolvendo-se melhor em solos profundos, bem drenados e sem problemas de salinidade.
“Iniciamos a implantação do sistema em 2011 com o preparo do solo, que levou cerca de um ano. Em Lençóis, o solo é extremamente pobre. O chamado Latossolo Vermelho Amarelo distrófico apresenta alto teor de alumínio trocável e baixos teores de cálcio, magnésio e outros nutrientes. Nossa primeira prática após as análises química e granulométrica foi a aplicação de calcário dolomítico e gesso mineral [gipsita] para neutralizar o alumínio e fornecer cálcio e magnésio. Depois disso, entramos com as plantas melhoradoras”, explica a pesquisadora.
O cultivo de plantas melhoradoras é uma das formas de se garantir a cobertura vegetal do solo. De acordo com o descrito no sistema de produção, o uso das coberturas vegetais tem por finalidade aumentar a eficiência do uso da água, diminuir a erosão e a salinização, promover a ciclagem de nutrientes, adicionar nitrogênio, aumentar o estoque de carbono armazenado no sistema e, consequentemente, a qualidade do solo no que se refere aos atributos físicos, químicos e biológicos.
“Nos experimentos em Lençóis, utilizamos um coquetel vegetal, misturando sementes de leguminosas e gramíneas. De leguminosas, usamos feijão-de-porco e mucuna-preta e, de gramínea, sorgo e milheto. E é muito interessante o uso do coquetel porque assim temos espécies com composição de nutrientes e taxa de decomposição diferentes. As leguminosas têm mais nitrogênio, mas decompõem-se mais rápido. E as gramíneas têm menos nitrogênio, porém decompõem-se mais lentamente. Isso levando em consideração a parte aérea, mas não podemos desconsiderar a parte vegetal das raízes, que tem uma quantidade também de nutrientes e acumula carbono no solo, além de as leguminosas ciclarem principalmente potássio, cálcio, magnésio e fósforo para as camadas superficiais do solo, e as gramíneas contribuírem para a agregação do solo”, exemplifica Ana Lúcia.
Para evitar prejuízos, é necessário cuidado especial na escolha das variedades que serão utilizadas no pomar. No caso dos experimentos em Lençóis, a Embrapa levou 23 variedades para serem avaliadas — parte delas oriunda do programa de melhoramento genético de manga da Embrapa Cerrados (DF). Observaram-se principalmente as características necessárias para processamento, já que o objetivo da Bioenergia Orgânicos é utilizar a maior parte da produção em sua indústria de processamento de polpa integral, ainda a ser instalada. “As variedades Ubá e Palmer adaptaram-se bem à região, com produção de frutos de alta qualidade no sistema orgânico, e estão sendo recomendadas”, conta o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Nelson Fonseca.
O sistema orgânico de produção fornece detalhes sobre as características das duas variedades selecionadas. A manga Ubá é originária da cidade mineira de Ubá, sendo uma planta vigorosa, de copa arredondada e densa. Em Lençóis, apresentou produção regular, acima de 18 t/ha no quinto ano de cultivo, com espaçamento de 8 m x 8 m (156 plantas por ha). O fruto tem casca amarela quando maduro, e a polpa também é amarela e saborosa, com fibras curtas e macias. Pode ser consumido in natura, mas é muito utilizado para produção de suco.
Já a manga Palmer originou-se na Flórida (EUA), tendo sido introduzida no Brasil em 1960. A planta apresentou produção em torno de 20 t/ha no quinto ano de cultivo, também com espaçamento de 8 m x 8 m (156 plantas por ha). O fruto é alongado, com a casca de tom avermelhado-escuro quando maduro. A polpa é amarela, firme, saborosa e sem fibras. Geralmente é consumido como fruto de mesa, mas tem potencial para processamento. É uma das principais variedades de manga produzidas no País, bastante presente nas gôndolas dos mercados.
“O interessante é que uma das variedades recomendadas é mais precoce e a outra mais tardia, o que dá uma maior amplitude de safra. Para você ter uma ideia, a manga Ubá, da abertura das flores até a colheita do fruto maduro, leva em torno de 120, 125 dias. Já a Palmer leva em torno de 150 dias. Então são cerca de 30 dias a mais. Vamos supor que a Ubá tenha um pico de produção lá para dezembro até janeiro, e a manga Palmer tenha um pico de produção de fevereiro até março. Então, aumenta a amplitude da safra com essas duas variedades”, pontua Fonseca.
Em relação à produtividade, o pesquisador destaca que não há muita diferença quando comparada à do cultivo convencional, o que, segundo sua avaliação, é um resultado muito positivo. “No convencional, você pode usar adubo químico solúvel, reguladores de crescimento, alternativas para indução floral, e por aí vai, o que facilita muito a produção. Então, conseguir uma produtividade semelhante no orgânico é um grande feito. Além do mais, os frutos se apresentam muito vigorosos, sadios e saborosos”, salienta.
De acordo com Fonseca, a equipe busca alternativas para aperfeiçoar a indução floral, que é um ponto de melhoria destacado também pelo sócio da Bioenergia Orgânicos Osvaldo Araújo. “Continuamos a pesquisa em conjunto com a Embrapa para encontrar uma solução de indução floral para que possamos ter a manga orgânica durante todo o ano”, afirma Araújo.
Pela não possibilidade de utilização de insumos químicos sintéticos, o controle de insetos-praga é o grande desafio em qualquer cultivo orgânico. É preciso haver o manejo da vegetação natural do pomar, o manejo nutricional e o monitoramento populacional das pragas e dos inimigos naturais. A publicação traz os principais insetos-praga da cultura e suas formas de controle. “No sistema orgânico, é necessário usar muitos métodos preventivos. São necessárias vistorias frequentes na área, para que o inseto possa ser retirado assim que apareça. É o manejo integrado, que envolve prevenção, monitoramento e intervenção”, explica o fitopatologista Aristoteles Matos, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
Ele acrescenta que o trabalho em Lençóis seguiu esse padrão e focou primeiro na prevenção. “Para evitar a entrada de pragas e doenças no pomar, nosso primeiro passo foi a produção de mudas sadias. A Bioenergia tem um viveiro, no padrão estabelecido pelo Mapa para a produção das mudas das variedades de mangueira que foram trabalhadas e que hoje já são mudas orgânicas certificadas. Transportamos as mudas desse viveiro para a fazenda onde foi instalado o pomar”, conta Matos. O sistema orgânico de produção reúne, inclusive, orientações sobre a construção de viveiros de mudas.
Na sequência, o pesquisador elencou uma série de medidas adotadas que garantiram a boa condução do pomar, como o manejo da vegetação natural com roçagem para diminuir a umidade na plantação e as podas. Com o monitoramento constante da área, na ocorrência de pragas e doenças eram imediatamente removidas as partes doentes para baixar o máximo possível o nível do problema dentro do pomar. Outro fator importante destacado por Matos foi o manejo da irrigação. “Sempre foi feita a irrigação que chamamos de subcopa para evitar a molhação das folhas e dos frutos e, assim, o consequente ataque de fungos e doenças. Agora, na ocorrência de pragas ou doenças, aplicamos caldas permitidas na agricultura orgânica, como a calda bordalesa”, conta o pesquisador.
Segundo ele, a maior dor de cabeça no manejo de pragas ao longo desses anos nos experimentos em Lençóis foram as formigas cortadeiras. O combate às formigas foi apontado também por Osvaldo Araújo como o maior desafio fitossanitário no plantio da manga orgânica. “Na realidade, a manga é um cultivo interessante e de fácil manejo para o sistema orgânico. A grande dificuldade foi no combate às formigas. Mas encontramos um produto orgânico disponível no mercado e obtivemos excelentes resultados”, informa o sócio da Bioenergia. As formigas foram controladas com uma isca granulada à base de extrato natural de Tefrosia cândida.
O sistema orgânico de produção traz informações sobre outros insetos que atacam a cultura e suas formas de controle (moscas-das-frutas, besouro-amarelo, lagarta-de-fogo, cigarrinha-das-frutíferas e tripes) e também das doenças mais comuns, com a descrição dos sintomas e controle (antracnose, oídio, malformação-floral, malformação-vegetativa, morte-descendente, podridão-seca e mancha-angular).
Fonte: Embrapa Mandioca e Fruticultura