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30/10/2020
Cientistas brasileiros e americanos conseguiram aperfeiçoar a técnica de fermentação líquida submersa (FLS), visando à produção em escala industrial de biomassa de fungos filamentosos, usados na composição de pesticidas biológicos para a proteção de culturas. O método é voltado especialmente aos fungos entomopatogênicos e micoparasitas de importância agrícola.
A produção de fungos por meio da fermentação líquida foi aprimorada durante a realização de doutorado do analista da Embrapa Meio Ambiente (SP) Gabriel Mascarin, nos Estados Unidos, em 2015, orientado pelo pesquisador Mark Alan Jackson, do Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (ARS-USDA). A pesquisa obteve sucesso com os fungos Beauveria bassiana e Trichoderma.
As pesquisas culminaram no registro de duas patentes de uso comum nos países. A técnica também pode ser adaptada para produção de outros fungos benéficos, como Cordyceps (Isaria), Akanthomyces (Lecanicillium), Hirsutella e Metarhizium, entre outros.
Mascarin destaca o valor estratégico do novo sistema para a indústria, pois torna possível a produção rápida e econômica de altas concentrações de células fúngicas mais tolerantes à dessecação, mais estáveis e infectivas que aquelas obtidas pelo processo que a indústria tem usado, ou seja, o sistema de fermentação sólida-estática (FSE). Nesse segundo sistema, grãos umedecidos de cereais são comumente usados como substratos para obtenção de conídios, porém é um processo caro, moroso, de difícil controle de qualidade e que demanda muita mão de obra.
“Acreditamos que o avanço gerado pode revolucionar a indústria de bioinsumos, uma vez que a tecnologia abre o caminho para substituição dos processos na planta industrial, que atualmente estão calcados na fermentação sólida, um método oneroso e economicamente menos eficiente.”
O cientista explica que com a fermentação sólida, os conídios exigem até 20 horas para germinarem, após a reidratação. Com a fermentação líquida, os blastosporos de Beauveria, por exemplo, alcançam um índice germinativo de até 90% em apenas sete horas. Também é possível produzir esses blatosporos em apenas dois ou três dias com a FLS, enquanto na fermentação sólida, a produção leva mais de dez dias.
No caso da produção dos microescleródios de Trichoderma, a biomassa fúngica é obtida no período de três a cinco dias, enquanto a fermentação sólida-estática pode levar mais de sete dias. “Outro destaque é o fato de os microescleródios consistirem em uma estrutura de resistência nunca antes descrita para Trichoderma. Sua formação é inédita sob condições de fermentação líquida submersa. Por esse motivo, esses microescleródios são ideais para tratamento de sementes e aplicação no solo”, revela.
Mascarin ainda ressalta que o domínio tecnológico do processo vem demonstrando capacidade em atender a uma demanda da indústria de defensivos biológicos, que anseia pelo desenvolvimento de métodos mais eficientes e de baixo custo, capazes de viabilizar economicamente a produção em larga escala desses fungos, usados no biocontrole de pragas e doenças como alternativa ao uso de pesticidas químicos.
Ele conta que a nova tecnologia nasceu da necessidade de superar as barreiras limitantes impostas pelo método de fermentação sólida. “A nossa pesquisa conseguiu demonstrar a viabilidade técnica e econômica de produção dessas estruturas e, no caso particular de Trichoderma e Beauveria, é a primeira vez que isso ocorre. Entendemos como uma contribuição da ciência para a sociedade, com enorme potencial de impactar positivamente todo o setor de biodefensivos, com reflexos igualmente grandes no mercado”, prevê Mascarin.
Para Amália Borsari, diretora-executiva de biológicos da CropLife Brasil, associação que representa os diversos setores que compõem o agronegócio, como a proteção de culturas, sementes, biológicos e biotecnologia, “toda tecnologia que reduz o custo de produção, otimizando a eficácia do ativo biológico, é muito bem-vinda para as indústrias de biodefensivos”. Borsari pontua que a maior parte das empresas viabilizam sua produção de fungos via fermentação em meio sólido, porém necessitam de mais mão de obra, espaço físico, tempo de fermentação, além de um maior rigor no controle de contaminantes e de qualidade. “Essa nova tecnologia da Embrapa é bastante promissora para o setor industrial, se for capaz de reduzir esses fatores adversos.” Ela lembra ainda que é importante a validação da tecnologia na indústria para ajustes, a depender do ativo biológico e do isolado.
A pesquisa destaca a FLS como mais moderna, flexível e aderente à realidade industrial brasileira, uma vez que é superior em relação ao método convencional. Na FLS, o ambiente se apresenta mais homogêneo e uniforme quanto à distribuição e disponibilização dos nutrientes do meio ao crescimento do fungo. Essa homogeneidade é possível porque o sistema é operado em biorreatores automáticos e controlado por computadores.
Mascarin destaca que esse conjunto de características do método culmina na facilidade de controlar as variáveis físico-químicas do processo, que podem ser ajustadas aos melhores valores, resultando em maior eficiência, qualidade e produtividade de biomassa fúngica, mesmo quando produzida em grandes volumes.
Empresas do setor de biopesticidas têm procurado a Embrapa para desenvolver projetos de otimização de FLS para fungos biocontroladores de insetos, fitopatógenos e nematoides. “Nesse modelo de parceria público-privada, conseguimos realizar estudos desde pequenos volumes – em escala de mililitros – usando frascos agitados, até com alguns litros, em biorreatores de bancada, sempre buscando meios nutritivos de baixo custo que proporcionem maior eficiência e alto rendimento na produção do propágulo de interesse. Além disso, é fundamental que o propágulo produzido seja testado quanto à sua atividade biológica contra o alvo a que se destina o uso”, ressalta Gabriel Mascarin.
O próximo passo consiste em validar o processo fermentativo junto à empresa em sua planta-piloto, a fim de ajustar os parâmetros da produção à realidade industrial, atrelado ainda ao desenho de estratégias de formulação após a produção do propágulo fúngico.
Perspectivas de futuroO setor de biológicos evolui muito rápido. O crescimento do mercado brasileiro de defensivos biológicos segue tendência mundial de redução do uso de agroquímicos para combater pragas e doenças nas lavouras. Conforme dados do setor, as perspectivas são positivas tanto em relação ao aumento da produção quanto na expectativa de vendas, uma vez que o número de produtos registrados está em constante ampliação. No Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) existem atualmente 309 biodefensivos registrados. Em 2019, houve registro de 43 produtos. Em 2020, até o fim de junho, o Mapa concedeu 28 registros. Esses dados indicam um mercado com grande potencial de crescimento. Segundo Amália Borsari, até 2015 existiam apenas 107 registros de produtos biológicos no País. “Em maio deste ano, tivemos o lançamento, pelo Mapa, do Programa Nacional de Bioinsumos, que contou com a contribuição da CropLife. Trata-se de um marco para o setor. O programa, certamente, vai dar um novo impulso à utilização de recursos biológicos na agropecuária brasileira”, diz. Borsari também ressalta que na crescente demanda por produtos biológicos, as empresas de biodefensivos, de maneira coordenada, estão se aproximando do produtor para oferecer informações e assistência técnica. “Isso faz com que o interesse por soluções biológicas aumente”, analisa. Ela acredita que a disponibilidade de mais produtos eficazes também contribui para o incremento da procura. “O período de 2018 até meados de 2020 responde por 40% dos produtos registrados. Para o segundo semestre, a CropLife Brasil, em parceria com o Programa Nacional de Bioinsumos, do Ministério da Agricultura, planeja trabalhar num projeto de extensão educacional para levar conhecimento tecnológico sobre biodefensivos ao produtor rural, o que pode contribuir também para um crescimento na demanda”, anuncia Borsari. Arte: Silvana Teixeira |
Para o chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Marcelo Morandi, que foi coordenador do Grupo de Trabalho em Controle biológico do Comitê de Sanidade Vegetal do Cone Sul (Cosave), este é um momento muito especial.
“O Brasil é líder no desenvolvimento de tecnologias para a agricultura tropical e possui conhecimento e estrutura para despontar no cenário mundial como um grande inovador no desenvolvimento de produtos biológicos, especialmente por sua riqueza em biodiversidade. O País se tornou um dos pioneiros em todo o mundo na produção e uso de agentes de controle microbiano e inimigos para controlar pragas e doenças em milhões de hectares. O mercado brasileiro de agentes de biocontrole tem crescido e se diversificado significativamente nos últimos anos”, afirma Morandi.
"O controle biológico há muito deixou de ser o 'patinho feio' da sanidade vegetal. É hoje uma ciência robusta e reconhecida. Soluções tecnológicas para os desafios da implementação do controle biológico no campo estão em pleno desenvolvimento nas instituições de pesquisa e nas empresas. O desenvolvimento e o domínio da técnica de fermentação líquida submersa (FLS) é um marco nesse processo. Tem o potencial de revolucionar a produção de agentes fúngicos de controle, dando maior escala e qualidade aos produtos”, conclui.
Fonte: Embrapa Meio Ambiente
Fonte: Embrapa Meio Ambiente